Lígia Aroeira
"Esse senhor Bôscoli é personalidade fraca. Apesar de ser um compositor, ele aparece mesmo é através do nome de sua mulher. Do que se esquece é que as letras que faço são viris, ao contrário das dele, que são afeminadas. Eu jamais faria um troço parecido com O Barquinho ou Lobo Bobo", disse Ned.
A relação de Nelson com a imprensa já não era mais a mesma. O tom paternalista das primeiras reportagens cedera espaço a uma avalanche de ataques à sua obra: dizia-se que o repertório era brega e que as letras primavam pelo mau gosto; os arranjos seriam cafonas, e a voz, excessivamente sentimental.
Como todos os cantores românticos de sua época, foi acusado de escapismo e alienação.
"Com alguma diplomacia, o Nelson talvez assegurasse seu lugar na história da música brasileira", afirma Barcinski.
"Mas ele nunca foi um tipo apaziguador. Quando voltava dos EUA ou do México, esfregava o próprio sucesso na cara dos críticos."
"Ele muitas vezes exagerava, mas não deixa de ser incrível que um jovem supostamente bronco, nascido no interior de Minas Gerais, tenha peitado todo o status quo da mídia brasileira. Suas entrevistas eram de uma violência enorme."
Definindo o Brasil como o "país dos rótulos", Nelson Ned partiu para o ataque: "O artista popular da minha linha não tem que se preocupar com a imprensa. Quem tem que se preocupar com a imprensa é Djavan, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Chico Buarque, porque eles vivem da imprensa. Nós, não."
"Somos cantores de rádio AM, somos homens do povo. Eu venho das massas populares, não fui criado nas elites de Ipanema ou do Leblon, nem represento essa bandeira esquerdizante, indefinida sexualmente. Eu represento o homem brasileiro, a passionalidade latino-americana e toda a virilidade que existe no bolero e na balada."
Sobre os medalhões da MPB, enfileirava termos pouco amigáveis: "esquerdalha", "manipuladores do poder", "exploradores do pobre", "cantores da desgraça alheia", "cafetões da miséria brasileira".
"Os metalúrgicos do PT gostam mesmo é de Nelson Ned, Roberto Carlos, Agnaldo Timóteo e Ângela Maria."
Politicamente, mostrava-se conservador, tendo se recusado por toda a vida a fazer shows em Cuba.
"Não canto para ditadores", disse.
No entanto, fez turnês por diversos países com regimes autoritários de direita — a Argentina de Jorge Rafael Videla, o Haiti de Jean-Claude Duvalier, a Espanha de Francisco Franco e a África do Sul nos anos do apartheid.
Ao mesmo tempo, criticava Augusto Pinochet, defendia as Diretas Já e mantinha forte laços de amizade com o escritor colombiano Gabriel García Márquez — um fã confesso de sua música e apoiador declarado de Fidel Castro.
"Nelson se definia como um homem de centro", observa Barcinski. "Hoje, em meio a tanta polarização, seria obviamente jogado na vala dos direitistas. Mas suas letras e declarações públicas não condiziam com essa imagem estereotipada de sujeito reacionário. Ele sempre defendeu os direitos das minorias."
Para surpresa de muitos, o cantor abraçava pautas LGBT e denunciava o racismo da sociedade brasileira.
"Sou uma pessoa que aposta no amor e em todas as suas consequências", disse.
"Inclusive tenho músicas com letras ambíguas, que insinuam o bissexualismo. Acontece que nossa cultura é discriminativa — preto na cozinha, cego na esquina, anão no circo, gay no picadeiro. Ou no banco dos réus, onde a TFP (Tradição, Família e Propriedade, organização civil tradicionalista de direita que apoiou a ditadura militar) é o maior carrasco."
Segundo Monalisa, o pai antipatizava com o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
"Mas, em costumes, era muito de esquerda", diz. "Ele sempre respeitou os funcionários, era a favor de todos os direitos trabalhistas. Um conservador geralmente não dá a mínima para as pessoas, nunca pensa em lavar a própria louça, acha absurdo um empregado tirar licença porque quebrou o pé."
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