De Ubá para o mundo
Enquanto as amigas saíram da banda para seguir outros rumos, Celma e Celia persistiram na música. Viver de arte parecia algo natural para as irmãs, que cresceram rodeadas de arte. O pai, fotógrafo, passava o dia ouvindo música. Os irmãos tocavam instrumentos. Só a mãe, de início, torceu o nariz para as filhas. Depois cedeu.
Em meados da década de 1960, as gêmeas e o músico Zé Maria, o irmão de Loreto que as acompanhava nas turnês, se mudaram pro Rio de Janeiro.
O conjunto não durou muito tempo depois disso, mas algumas apresentações foram memoráveis. Uma delas aconteceu no Olímpico Clube, em Copacabana.
Celia estava no palco, tocando bateria, e notou que três homens a assistiam em pé, encostados em uma parede. Pareciam vidrados na apresentação.
Ela já estava acostumada a esse tipo de atenção, pois não existiam outras mulheres bateristas no circuito carioca da época.
Célia ficou indignada, e logo que o show acabou foi tirar satisfações com os três, de baquetas na mão. Foi quando percebeu que os três homens eram Milton Banana, Edson Machado e Victor Manga — exímios bateristas brasileiros.
"Perguntei, brava, se estavam rindo de mim. Logo responderam que não riam de mim, mas sim pela surpresa. 'Estávamos te apreciando', eles responderam", conta a artista, ostentando a memória afiada e o talento para prender o ouvindo em suas histórias.
No Rio, a carreira das gêmeas engrenou. Participaram do programa de Moacir Franco, trabalharam com Carlos Imperial, gravaram inúmeros álbuns como intérpretes, interpretaram a dupla Luminada e Luminosa na novela "Ana Raio & Zé Trovão" da TV Manchete e seguiram a vida vivendo de arte.
Três anos atrás, as irmãs decidiram juntar o acervo que guardam com cuidado em casa e investir na produção de um documentário sobre o Conjunto Garotas. Já entrevistaram todas as colegas e pessoas que assistiram às apresentações da banda. "Falta agora investimento para terminar", afirmam.
"Temos muita garra"
Na casa espaçosa e aconchegante onde moram as irmãs vivem também as memórias do casamento de Celia com José Antônio Severo, notório jornalista e historiador gaúcho que morreu em 24 de setembro de 2021. "Ele nunca parou de trabalhar. Estava entregando um artigo quando foi chamado para o centro cirúrgico, de onde não voltou mais", relembra Celia, ainda se acostumando com o luto e a viuvez.
Severo foi um grande apoiador da carreira da esposa. "Ele sempre me incentivou, nunca reclamou de nada", afirma. Ao seu lado, Celma conta que não teve tanta sorte.
"Tive um noivo que deu o ultimato " é eu ou a sua carreira", relembra, deixando subentendida sua decisão.
A carreira é longa, e a energia das irmãs parece inesgotável. "Temos muita garra", resumem. Ambas são energéticas e possuem uma dinâmica peculiar, típica de gêmeos, que transparece durante a entrevista. Às vezes uma complementa a fala da outra, ou fazem entre si um fact-checking ao vivo de datas e nomes.
O cheiro de café saindo da cozinha mineira da casa é a deixa para terminar a entrevista, mesmo que a fonte de histórias das gêmeas seja infinita. "Se a gente for contar a nossa história inteira, vamos ficar dias aqui", diz Celma.
Fonte: Marie Declercq
Do TAB,de São Paulo
04/04/2022
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